sexta-feira, 9 de março de 2007

Missões, a arte de produzir adoradores

Apesar do discurso convincente, nem tanto pela competência argumentativa, mas sim pela repetição de chavões estratégicos, a visão acerca do propósito missionário tem sido corrompida. Três fatores cruciais:

A superficialidade exegética, rasgando as Escrituras e distribuindo-as em pedaços atraentes, e portanto usáveis, e em pedaços irritantemente perigosos, e portanto desconsideráveis. O que produz pregadores e líderes viciados na comida alheia, sem a mínima capacidade de caminhar através do estudo das Escrituras.

O sentimentalismo evangélico, que “positivamente” move, empurra, multidões à obra; e que “negativamente” cega, tornando prevalecente a emoção a emoção e razão, ou mesmo só à razão. O que cria uma atmosfera poluída de vitórias dedicadas ao esforço humano, e derrotas atribuídas ao desprezo pelo próximo.

A antiga e enraizada disposição de humanizar todas as coisas, inclusive a Deus, tirando sorrateiramente o foco do propósito divino, assim meio que inconscientemente (pelo menos no discurso), e colocando-o sobre novos propósitos, os do homem, “claro que biblicamente fundamentados, ou seria manequiados?”

A partir do início da Igreja, assumiu-se o discurso “missões”. Sempre se falou em missões, sempre se discutiu missões, sempre se fez missões, mesmo quando mal feito. Expressões se tornaram conhecidas, chegando a identificar o assunto tratado, como: “Compaixão pelas almas perdidas”, “Amor pela obra”, “O clamor dos povos”, “A necessidade dos perdidos”, “A salvação a todas as nações”, e até mesmo o tão famoso “Ide”. Em meio a contextos e grupos missionários há um natural olhar para o homem, e um natural desejo por sua salvação. Corretíssimo à luz das Escrituras essa compaixão, esse senso de dever, que pode ser feito por prazer e não por obrigação (1 Coríntios 9.16-17, 19, 22-23). Mas, qual é o propósito principal de se fazer missões?

É de simples leitura a percepção de que missões foi oficialmente iniciada na chamada de Deus a Abrão (Gênesis 12), e que perdurou por todas as páginas do Antigo Testamento, adentrando as do Novo Testamento, e culminando numa comunidade global de adoradores por toda a eternidade (Apocalipse 7; 15; 19, 21-22). Assim, resumidamente, consideremos o texto emblemático, identificado como a grande comissão, Mateus 28.18-20.

“Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as cousas que vos tenho ordenado.”

Considerando, conclusivamente, o texto, percebemos etapas?

1ª etapa: Sair. Seja “ide”, ou “indo”, mas é “saindo”. A tarefa exige a saída da Igreja para sua realização. É claro que há passos independentes, como a oração, o preparo, e o contribuir financeiramente, porém, os demais denotam em “sair do arraial”.

2ª etapa: Fazer discípulos. Fazer imitadores de Cristo, cristãos - pequenos cristos.

3ª etapa: Todas as nações. Fazer discípulos de todas as nações. Estas etapas estão diretamente ligadas a palavra de Cristo aos seus discípulos em Atos 1.8 - “sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria e até aos confins da terra”.

4ª etapa: Discípulos que multipliquem discípulos (v. 20a). “ensinando-os a guardar todas as cousas que vos tenho ordenado”, isto é, ensinando-os a seguirem a mesma tarefa que tendes recebido.

A tarefa então é a de fazer discípulos de todas as nações. Por quê? Qual o propósito desta tarefa? O que Cristo tinha em mente?

A expressão “fazer discípulos” direciona o foco para quem? Diferentemente do que é largamente praticado, o foco destaca o mestre, não o discípulo. Conforme todo o entendimento da época, comum a todos, discípulo é aquele que imita o mestre, anda, come, veste-se, fala, age e reage como o mestre. O discípulo não tem voz, não tem vida em si mesmo. Sua vida baseia-se em ser como o mestre. A tarefa de fazer discípulos não deve, então, destacar os discípulos, mas sim, seu mestre.

Por que Deus quer discípulos? Para que estes O adorem. E esta simples e contundente afirmação está em conformidade com o todo das Escrituras. Em Êxodo 20.1-8, temos o tão conhecido texto dos dez mandamentos. Nele, o Senhor inicia observando o motivo da libertação de Israel - adoração ao Senhor. Por toda Revelação encontramos a exortação de que devemos adorar ao Senhor, pois isso lhe agrada (Salmo 105; 117; Jeremias 13.16; João 4.23s; Apocalipse 7.9s; 19). Em 1 Pedro 2.9, o apóstolo destaca em que fomos transformados, e a razão disto: “Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus [o que somos], a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz [o propósito].”

Há um propósito para a salvação projetada por Deus em Cristo. O ponto final da obra de Deus não é a salvação do homem, mas sim a adoração deste homem salvo à Ele. O foco está em Deus, e não no homem. Deus procura adoradores (João 4.23s), e qual é a forma de transformar o homem em adorador? Salvando o homem. Assim, a salvação não é o fim, mas o meio pelo qual Deus atinge seu objetivo de ser glorificado.

O entendimento do propósito produz uma conclusiva diferença no produto final da obra de missões:

1º exemplo: Eu saio pensando: minha tarefa é ser um instrumento nas mãos de Deus para salvar o homem. Isto é o que importa.

2º exemplo: Eu saio pensando: minha tarefa é ser um instrumento nas mãos de Deus para transformar homens em verdadeiros adoradores do Senhor. Uma vida de adoração a Deus. Isto é o que importa.

E então olhamos para nós, como igreja e discípulos: Como temos entendido esta tarefa, e qual tem sido o discurso motivador? Penso que provavelmente a razão cega que tem diminuído o ímpeto da Igreja por missões é o foco errado - de Deus para o homem. Em termos implicativos, salvar o homem não exige muito do que vai, mas transforma-lo em discípulo de Cristo, em adorador do Senhor, sim, exige de quem vai, para começar, que seja verdadeiro discípulo e adorador. Para uma igreja fazer adoradores precisa ser adoradora. Assim, fazer missões é, em última análise, adorar ao Senhor.

Somos um povo missionário?