terça-feira, 4 de novembro de 2008

Refletindo a Cristo

“Vós sois o sal da terra; ora, se o sal vier a ser insípido, como lhe restaurar o sabor? Para nada mais presta senão para, lançado fora, ser pisado pelos homens” (Mateus 5.13).

Quando usamos o termo “refletir”, somos imediatamente levados à figura da luz, ou de seu reflexo. E, por isso, talvez, alguns até questionam o porque de Cristo ter usado a figura do sal na terra. Mas, “refletir” implica revelar, em exprimir, em traduzir.

Neste sentido, visando passar algum tipo de mensagem, a idéia do sal na terra funciona perfeitamente. Dá, até para entender o porque, provavelmente, Cristo usou primeiramente a figura do sal, para então usar a da luz no mundo.

Analisando as palavras de Cristo, primeiramente, temos de entender o que deve ser refletido. Quando analisamos as bem-aventuranças, e tentamos visualizar o retrato do tipo de pessoa da qual Cristo trata, a figura que nos vêm à mente é a do próprio Cristo (1-11): Humilde de espírito; sensível à realidade; manso; justo; misericordioso; limpo de coração; pacificador; perseguido e injuriado por causa da justiça, da verdade. Quem possui estas características? Quem melhor se encaixa neste retrato? Cristo. Isto fica, ainda mais claro, no v. 11, quando ele afirma que a perseguição e a injuria naturalmente aconteceria àqueles que se ligassem a ele. Aqueles que vivessem à sua semelhança, seguindo os seus passos. Lembre-se de que ele falava aos discípulos (vv. 1-2). Discípulo é aquele que perde sua identidade própria, moldando-se à identidade de seu mestre.

Assim, Cristo ensinou que seus discípulos deveriam refletir seu caráter e obra. Deveriam ser como ele. E exatamente por isso, logo no início da igreja, encontramos esta identificação (Atos 11.25-26): “cristãos”: pequenos cristos.

É neste sentido que entendemos o texto de Paulo, escolhido pelas irmãs como texto moto para este retiro 2 Coríntios 3.18: “E todos nós, com o rosto desvendado, contemplando, como por espelho, a glória do Senhor, somos transformados, de glória em glória, na sua própria imagem, como pelo Senhor, o Espírito”. Ou, então, quando Paulo afirma em Gálatas 2.20: “Já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim; e esse viver que, agora, tenho na carne, vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por mim”.

Como último exemplo, entendemos quando Pedro afirma em sua primeira carta, 2.9: “Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz”. Mais tarde, no mesmo capítulo, Pedro exorta seus leitores a serem exemplares em seu procedimento no meio dos gentios. É o entendimento do que Cristo ensinou a ele e aos demais discípulos.

O que refletir? Somos, então, convocados a refletir o caráter e a obra de Cristo. Não há como separar um do outro, pois o seu caráter é revelado através de seu ministério. E sua obra, naturalmente, revela o seu caráter (santidade, justiça, mansidão, misericórdia, verdade, ...).

Após entender o que refletir, precisamos compreender como refletir. Seja com a figura do sal ou com a da luz, fica claro que o esperado é que sejamos diferentes. Que façamos a diferença no meio em que vivemos. Como entender esta diferença através da figura do sal, usada por Cristo?

Em primeiro lugar, dando sabor. Acrescentar sabor, tornando a comida gostosa. Levando aqueles que a experimentam a fazê-lo prazerosamente, e não simplesmente por necessidade.

O que é uma feijoada sem sal? Ou, em se tratando de mistura em caldo, minha comida predileta: dobradinha. Como engolir uma dobradinha sem sal? O que seria de nós sem os temperos? Sem tempero não haveria a mínima possibilidade de se conquistar alguém pelo estômago.

Pois bem, com a figura do sal Cristo revela a necessidade de se acrescentar àquilo que não é comum aos homens, mas sim a Cristo; e aos que vivem com Cristo. Por exemplo: Paz, alegria e sabedoria. E isto é perceptível através da figura retratada naquele que é bem-aventurado: Que possui paz mesmo em meio à injustiça e à perseguição. Isto porque é pacificador, sendo, então, filho de Deus (v. 9). Que possui alegria mesmo em meio ao choro, à injustiça e perseguição. Isto porque possui alegria verdadeira ao ser limpo de coração (v. 8). Que revela sabedoria mesmo em meio aos problemas ao agir com misericórdia e mansidão, não cultivando o mal, e a ira; dando lugar assim para o ódio, a amargura, o estresse, a impossibilidade de se perdoar. Ser decididamente diferente do jeito comum de pensar, falar, agir, e reagir. Falar e agir como Cristo faria. Ser tão parecido com ele, que esta identificação se torna evidente, acrescentando sabor ao cotidiano, à vida insossa das pessoas.

Em segundo lugar, conservando. No tempo de Cristo não havia geladeira, muito menos freezer. Como as pessoas conservavam a carne? Salgando-a. Isto ainda é feito em nossos dias.

Nos alimentos tanto na forma “in natura” como processado industrialmente, a multiplicação microbiana ocorre em função do tipo de alimento e das condições ambientais. Os processos de conservação baseiam-se na destruição total ou parcial dos microrganismos capazes de alterar o alimento.

No processo comum de nossos dias, o frio é bastante utilizado na conservação dos alimentos perecíveis, tanto os de origem animal como os de origem vegetal. Basicamente, o frio conserva os alimentos porque retarda ou inibe a multiplicação microbiana.

Já o sal provoca a diminuição da atividade de água dos alimentos, que é um fator de necessidade para a reprodução microbiana, aumentando desta forma a conservação dos alimentos. Os alimentos salgados podem, assim, ser mantidos à temperatura ambiente. É o caso do charque, do bacalhau, sardinhas e de outros pescados.

Pois bem, com a figura do sal Cristo revela a necessidade de se conservar a vida. Conservar aquilo que vale à pena no viver. É claro que as aplicações são variadas. Poderíamos aplicar à doutrina, aos relacionamentos, à santidade, à própria nova vida doada por Deus aos seus.

Como podemos, simplesmente, aplicar à continuidade na tarefa anterior de dar sabor. Ser perseverante em refletir o caráter de Cristo e sua obra, conservando a diferença entre aqueles que são do Senhor e os que não são. Conservando o sabor.

Isto é fundamental! Se o sal vier a ser insípido, ... para nada mais presta senão ser jogado fora. Se o sal se tornar insosso, desagradável. Como isto ocorre? Quando ele perde suas características, suas propriedades.

O sal perde o sabor quando se nega a sua vocação, que é se dar. O valor do sal está em sua dissolvência, aceitando a sua missão invisível de ser sentido sem ser visto. O sal que é visto, não é sentido; pois o sal que é sentido, não é mais visto, porque se tornou parte do sabor que anima os humanos a comer com prazer. O sal se preserva como sal sendo capaz de se deixar comer, sumir, se tornar vida para os outros.

Cristo afirma que seus discípulos, como sal, se não se não se doarem aos outros para que suas vidas recebam o sabor que é Cristo, para nada mais presta senão ser jogado fora.

Se não servirmos para dar sabor à vida dos outros, acrescentando o tempero que é Cristo, por meio de seu caráter e obra, não servimos para viver. Isto é, deixamos de ser sal com todas as suas propriedades. Passamos a ser insosso, inútil e desagradável.

Sua vida (pensamentos, palavras e ações) tem acrescentado Cristo, como tempero, à vida de outros?