sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

O Abandono que gera vida

Cristo é sinônimo de vida. O incrível é a fórmula usada para se chegar até esta vida. Quando consideramos os evangelhos, nos deparamos com algo aparentemente contraditório; porém, real e fundamental para a obtenção da vida: o abandono.

Paulo escreveu aos filipenses (2.5-11) relembrando o abandono do Senhor de sua condição gloriosa para assumir a forma de servo, em humilhação, sendo obediente até a morte. O interessante no texto não é a informação acerca de Cristo, pois a temos em outros textos; mas sim, a expectativa do apóstolo para com seus leitores: “Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus”. O termo usado por Paulo exorta seus leitores a ter a mesma disposição mental que seu Senhor. Uma disposição de altruísmo, de interesse pelos outros, de servir, mesmo que incluísse a possibilidade de perder a própria vida. A aplicação é direta: Devemos pensar, sentir, desejar e viver como Cristo, sabendo que isto implica em abandonar nossas particulares expectativas sobre a vida.

Para vir nestas condições, Cristo teve de abandonar sua condição naturalmente gloriosa. Além disso, durante toda sua vida, vemos um abandonar contínuo, e sereno, de prazeres particulares. Em todo tempo disse: “Porque eu desci do céu, não para fazer a minha própria vontade, e sim a vontade daquele que me enviou” (João 6.38). Não que sua vontade necessariamente fosse outra, pensando em prazeres da vida. Mas, foi cuidadoso em especificar que seu alvo era o de viver a vontade do Pai.

Abandonou a própria vida, doando-a em favor de seu povo. Aliás, esta foi a promessa dada a seus pais: “Ela dará a luz um filho e lhe porás o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo dos pecados deles” (Mateus 1.21). E, viveu o mais trágico momento da história humana, quando, na cruz, sentiu o abandono do Pai: “Eloí, Eloí, lama sabactâni? Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?” (Marcos 15.34).

Provavelmente, esta é a raiz de sua exortação aos seus discípulos: “Se alguém quiser vir a mim, a si mesmo se negue, dia a dia tome a sua cruz e siga-me. Quem quiser salvar a sua vida perdê-la-á; quem perder a vida por minha causa, esse a salvará” (Lucas 9.23-24). Voltando à consideração de Paulo, isto é ter o mesmo sentimento de Cristo Jesus. Isto é viver como ele.

É impossível seguir a Jesus sem ser tirado do lugar que mais desejamos. Esta caminhada longe do nosso ninho para lugares desconhecidos é que nos converte. A conversão não é a simples aceitação de uma fórmula teológica para a eterna salvação. É muito mais, é a descoberta da dolorosa, bela e operante criatividade de Deus durante o nosso viver. Foi essa atividade conversora de Deus que tornou um hebreu fugitivo no libertador de Israel; um menino pastor num rei; pescadores em pescadores de homens; um judeu perseguidor da igreja no apóstolo dos gentios. Em toda ilustração bíblica de conversão, há uma missão atrelada. Ninguém é convertido para benefícios exclusivamente pessoais. Esta pode ser a razão porque temos de perder nossa vida a fim de achá-la. O propósito da conversão na Bíblia não é a nossa auto-realização, mas a missão de Cristo.

As pessoas pensam que sua doença ou seu divórcio ou sua mágoa significam o fim de suas vidas. Elas estão certas! A vida como elas conheciam já era. Em seu lugar elas ganharam não apenas uma nova vida, mas uma nova proposta para a vida. É claro que diante desta proposta, existe alguma aversão, mesmo nos círculos evangélicos, quando se fala em conversão. E por que isto acontece?

Porque alguns, talvez, ficaram embaraçados com algumas mensagens que parecem derreter qualquer possibilidade da verdadeira graça e amor.
Porque outros, possivelmente, conviveram com um povo convertido o tempo suficiente para perceber que não há nada mais realmente diferente para saber sobre eles.

Porque alguns cresceram cansados de ver evangelistas que só ficam contando conversões, mas têm muito pouco para dizer sobre os que estão famintos, sem lar, doentes, nus ou na prisão. Há muito mais no evangelho do que conseguir pessoas para assinar cartões de decisão.

Mas creio, que a melhor razão para alguns se intimidarem quando falamos de conversão é que ela mudará tudo. Confrontados com o abandono, podemos voltar nosso coração para as coisas que perdemos ou voltar em direção à esperança de que Jesus Cristo é de fato nosso Salvador (Filipenses 3.7-12).

Cristo, veio, não para ser eternamente aquela criança de um nascimento diferente, pobre, rejeitada pelos poderosos e amada pelos necessitados. A criança cresceu, tornou-se homem, e assumiu o ministério de nos salvar, levando-nos a assumir uma nova vida, uma nova realidade; que implica em abandonar a nós mesmos; isto é, abandonar a vida segundo nossa perspectiva particular.

Assim, Cristo é vida para quem perde a sua própria vida. Para quem insiste em mantê-la sobre domínio de seu coração, Cristo é um nome bonito e bondoso, um exemplo de que Deus, de alguma maneira não se esqueceu de nós. Mas, somente isso. Para experimentar a vida abundante do Senhor em Cristo, é preciso abdicar da vida de nossos sonhos.

Você está pronto?