quinta-feira, 10 de julho de 2008

Escutatória

Há muitos anunciados cursos de oratória. Nunca vi um anunciado curso de escutatória. Todos querem aprender a falar. Ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um curso de escutatória. Mas tenho receio de que ninguém se matricule.

Falar é fácil; mesmo quando não se seguem as regras da retórica. Escutar é complicado e sutil. É incrível como não agüentamos ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor, sem misturar o que ele diz com aquilo que temos a dizer. Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração e precisasse ser complementado por aquilo que temos a dizer, que é muito melhor. Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil da nossa arrogância e vaidade: no fundo somos os mais bonitos... Parafraseando Alberto Caeiro: “Não é bastante ter ouvidos para se ouvir o que é dito. É preciso também que haja silêncio dentro da alma”.

É preciso tempo para entender o que o outro falou. Quando se fala logo a seguir são duas as possibilidades. Primeira: Ficar em silêncio só por delicadeza. Na verdade, não se ouve o que outro fala. Enquanto o outro fala se pensa nas coisas que falará quando o outro terminar sua (tola) fala. Fala como se o outro não tivesse falado. Segunda: Ouvir o que o outro falou. Mas reagir como que o que seria novidade para quem fala, não o fosse para quem escuta. Tanto que nem se precisa pensar sobre o que se falou. Em ambos os casos se chama o outro de tolo. O que é pior que um tapa. Ao contrário, o longo silêncio quer dizer: “Estou ponderando cuidadosamente tudo aquilo que você falou”.

Há uma música que diz: “Eu te busco, te procuro, ó Deus. No silêncio tu estás...”. Apesar de não ser tocada e cantada em “silêncio”, esta mensagem tem muito a ensinar. Nas Escrituras aprendemos que a natureza revela seu Criador, em silêncio: “Não há linguagem, nem há palavras, e deles não se ouve nenhum som; no entanto, por toda a terra se faz ouvir a sua voz” (Salmo 19.3-4). É maravilhoso como autenticamos isto quando em silêncio, longe do barulho da vida cotidiana, contemplando a criação.

Aprendemos que é possível se alimentar de silêncio. Não basta o silêncio de fora. É preciso silêncio de dentro. Ausência de pensamentos. E aí, quando se faz o silêncio de dentro, se começa a ouvir coisas que não ouvia. A música acontece no silêncio. É preciso que todos os ruídos cessem. No fundo do mar - quem faz mergulho sabe - a boca fica fechada. Somos todos olhos e ouvidos. Talvez seja essa a essência da experiência religiosa - quando ficamos mudos, sem fala. Aí, livres dos ruídos do falatório e dos saberes da filosofia, ouvimos a melodia que não havia. Ouvimos o Senhor: “Bom é aguardar a salvação do Senhor, e isso, em silêncio” (Lamentações 3.26). Daí a importância de saber ouvir os outros: a beleza mora lá também. Comunhão é quando a beleza do outro se junta num contraponto com nossa beleza. Comunhão só é possível quando boca, ouvidos e coração partilham de um mesmo momento. Mas, enquanto existirem somente bocas.....
(Motivado por texto de Rubem Alves em "O amor que acende a lua")