sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Gaiolas ou Asas

“Há escolas que são gaiolas. Há escolas que são asas”. Eis um aforismo de Rubem Alves que me assaltou em uma aplicação para outra área: “Há igrejas que são gaiolas. Há igrejas que são asas”.

Igrejas que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte do vôo. Pássaros engaiolados são pássaros sob controle. Engaiolados, seu dono pode levá-los para onde quiser. Pássaros engaiolados sempre têm um dono. Deixaram de ser pássaros já que a sua essência é o vôo.

Igrejas que são asas não amam pássaros engaiolados. Amam os pássaros em vôo. Existem para dar aos pássaros coragem para voar. Ensinar o vôo, isso elas não podem fazer, porque o vôo já nasce dentro dos pássaros. O vôo não pode ser ensinado, mas sim encorajado.

A essência de todo homem, além da realidade do pecado, aponta para algo anterior: a imagem do Criador. Que por pertencer à criação permanece, mesmo diante da intrusa predominante. Isto o direciona a possibilidade de voar em direção ao Criador para viver uma realidade além desta, a realidade do Reino de Deus.

Como pássaros feridos pelo medo, pela dúvida, pelas más escolhas, pela cegueira moral e espiritual, o homem não voa. Quando muito arrisca alguns rasantes, enxergando-os como o máximo de todo homem perfeito e bem sucedido. Se acostuma a realidade imposta pela maldita e escravizante natureza, herdada dos demais. E assim caminha (não voa) até seu triste e repetitivo fim.

A igreja, como representante do Criador, tem a tarefa de direcionar este homem ao convívio libertador do Portador de sua imagem. O fim da igreja não está em si mesma, mas sim Naquele que a instituiu e estabeleceu seu propósito e tarefa. Igreja não existe para ser dona de ninguém, muito menos para reescrever ou restabelecer o caminho e a verdade, pois estas já existem como atributos Daquele que é a vida.

Igreja não existe para engaiolar o homem, regando seu medo, suas dúvidas, sua cegueira. Igreja não existe para ser dona de homem algum; muito menos para representá-lo. Igreja existe para lembrar o homem de sua realidade e encorajá-lo a um relacionamento prazeroso com seu Criador; que não o deseja escravizado, mas sim voando sob a sua proteção.

Boa e fiel igreja não é aquela que mantém seus pássaros engaiolados à espera diária de comida e água, como “substitutas do Sustentador”. Fiel e boa igreja é aquela que conduz seus pássaros à vida, encorajando-os a voar, dependendo unicamente do Criador.


“Os que esperam no Senhor renovam as suas forças, sobem com asas como águias, correm e não se cansam, caminham e não se fatigam” (Isaías 40.31).

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Perdão


“Posso perdoar, mas não consigo esquecer é apenas outra maneira de dizer ‘não perdoarei’. O perdão deve ser como uma nota promissória cancelada, rasgada e queimada, de modo que jamais seja apresentada novamente”. Palavras de Henry Beecher, pregador norte-americano.

Os pensamentos de Beecher, mais tarde, foram modificados por outros para expressarem o seguinte: “Se você realmente não esqueceu é porque não perdoou de verdade”.

Não creio que isto reflita a verdade bíblica! Não creio que verdadeiramente nos esquecemos de todas as ofensas que sofremos na vida. Creio que nos lembramos delas. Como é que apagamos da memória um divórcio? Ou um filho no mundo das drogas? Ou um motorista bêbado que atropelou nosso cônjuge? Ou a experiência de ter estado numa prisão? Ou a guerra que trouxe tanta miséria? Ou o dinheiro perdido num investimento por causa do mau conselho alheio? Ou mesmo a humilhação sofrida diante de tantas pessoas no trabalho, na igreja, ou na vizinhança?

Muitas afirmam que Deus se esquece. “Pois perdoarei as suas iniqüidades e dos seus pecados jamais me lembrarei” (Jeremias 31.34b) Como pode um Deus eterno esquecer? O conceito que Ele deseja transmitir não é que o acontecimento ou o próprio pecado seja esquecido, mas que o juízo da ofensa foi removido. Em outras palavras: “Não mais sustentarei em juízo o pecado contra eles” (Isaías 53. 4s, 8).

A verdade é que nos lembramos de tudo. Mas podemos escolher reagir às nossas recordações. Podemos deixar que elas se aquietem, e prossigamos na vida, ou que elas nos dominem.

A expressão comum ouvida é: “Não posso perdoar”. Não pode, ou não quer? “Simplesmente não sinto vontade”. Já imaginaram quanto trabalho seria realizado se todos esperassem até sentir vontade de trabalhar? Você realmente já sentiu vontade, desejo, de lavar os pratos, de limpar a garagem? Quando foi a última vez que você sentiu vontade de lavar roupas bem sujas?

O perdão não é, antes de tudo, um sentimento. É uma escolha que vai além dos sentimentos. É um ato da vontade. Alguns dizem: “Se eu perdoar alguém quando não sentir o perdão, serei um hipócrita”. Se você perdoar ainda que não o sinta, você é alguém responsável, não um hipócrita.

O perdão é uma promessa, um compromisso: Não usarei contra ele no futuro. Não falarei com outros sobre esse problema. Não insistirei nisso.O perdão devido a um irmão não depende da bondade desse irmão, mas, antes, repousa na misericórdia e benignidade daquele que oferece o perdão. Nenhum cristão tem o direito de negar o perdão ao seu irmão: “Senhor, até quantas vezes tenho de perdoar a meu irmão? Até sete vezes? Respondeu Jesus: Não te digo que até sete vezes, mas até setenta vezes sete” (Mateus 18.21-22).