quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Viver é ser criança

A percepção e o entendimento dependem da interpretação particular sobre aquilo que se apresenta ou é apresentado. Por isso a hermenêutica e a exegese são de valores incalculáveis, redundando em lógica coerente ou não. Tudo depende de quem vê, se vê, e como vê.

Temos um maravilhoso, e bíblico, exemplo quanto ao viver. Todos querem chegar à maioridade, isto é, ser adulto na compreensão e no agir; entendendo ser esta a fase e a forma mais bem sucedida de se viver. Os adultos pensam e agem como se as crianças nada soubessem. Por isso as crianças aprendem e os adultos ensinam. No pensamento comum, infância é o ponto de partida; enquanto a condição adulta é o destino, o ponto de chegada.

A exortação bíblica caminha na mesma direção, exortando-nos a agir com maturidade, não sendo mais infantil quanto à instabilidade e indisciplina: “não sejamos como meninos, agitados de um lado para outro e levados ao redor por todo vento de doutrina” (Efésios 4.14). Em textos como estes, o Senhor nos adverte a agirmos equilibradamente quanto àquilo que alcançamos, de maneira que não venhamos a regredir.

No entanto, o Senhor, através de Sua Palavra, traz um contra-ponto: se por um lado devemos progredir em maturidade, agindo como adultos conquistadores; por outro lado, devemos cuidar para manter a vida em sua perspectiva infantil: “Deixai os pequeninos, não os embaraceis de vir a mim, porque dos tais é o reino dos céus” (Mateus 19.14). “Se não vos converterdes e não vos tornardes como crianças, de modo algum entrareis no reino dos céus” (Mateus 18.3). A verdadeira vida, aquela que indica o caminho e o estilo do reino, é mais bem retratada pelo estilo infantil: sem dificuldades para se humilhar, para se arrepender, para assumir dependência; companheirismo; autenticidade; facilidade em perdoar; coragem para arriscar; alegria, revelada pelo prazer em viver. São características imprescindíveis para se viver bem, sem a doente malícia, e a escravidão do “agradar” ao outro, a fim de conquistar o que se deseja.

A poetisa mineira Adélia Prado suplicou: “Meu Deus, me dá cinco anos, me dá a mão, me cura de ser grande...”. Sua doença era a de ser grande, de ser adulta. E este tipo de doença se cura tomando chá de infância, virando criança de novo: “Se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus” (João 3.3). Interessante a afirmação de Jesus a Nicodemos, principalmente após sua advertência: “Tu és mestre em Israel e não compreendes estas cousas?” (João 3.10). Tu és adulto, mestre, e não entendes? Precisa ser como criança, nascer novamente, crescer e viver como criança para então receber e gozar a vida eterna.

Quando os adultos com sua formação e interpretação particular ensinam nos tornamos cientistas, doutores no saber, na arte de dominar o mundo. Quando as crianças ensinam nos tornamos sábios na arte do viver. Elas nos ensinam a nos libertarmos de nós mesmos, dependendo única e exclusivamente do Senhor (Mateus 18.1-5).

Com o crescer aumenta-se o conhecimento, e com este a consciência, multiplicando a responsabilidade. Esta é a conquista adulta a ser preservada. Porém, com o crescer aumenta-se também o pecado, e com este a malícia, a soberba, o medo, e o orgulho. Esta é a parte a ser convertida. E esta conversão se dá em viver como criança. Volte-se ao Senhor e ele o converterá em criança.