sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Sofrimento

Há sofrimento que faz sentido. É aquele que aceitamos voluntariamente pela alegria que surgirá no fim. As dores de parto são um sofrimento que faz sentido. “O prazer engravida, mas é o sofrimento que faz parir”, diz William Blake.

Há sofrimento que não faz sentido. É aquele que nos acontece sem que o desejemos e que nada de bom nos traz no fim. É sofrimento puro, só sofrimento. As dores de uma indigestão são um sofrimento que não faz sentido. Enjôos e cólicas não são portadores de alegria; mas sim manifestações de males.

O que destrói as pessoas não é o sofrimento. Somos capazes de aceitar os maiores sofrimentos se, ao final, existe a chama da alegria. O que destrói as pessoas é a falta de sentido. Os sofrimentos que fazem sentido são uma expressão da vida. Os sofrimentos que não fazem sentido são uma manifestação da morte.

Quando o apóstolo Paulo afirma que “todas as coisas [incluindo os sofrimentos] cooperam para o bem daqueles que amam a Deus”, ele apresenta o sentido: “daqueles que são chamados segundo o seu propósito [serem conformes à imagem de seu Filho, v. 29]” (Romanos 8.28). Quando Tiago afirma que “devemos ficar alegres por passarmos por provações [sofrimentos]”, ele também apresenta o sentido: “sabendo que a provação produz perseverança, e a perseverança conduz à perfeição” (Tiago 1.2-4). Assim, o sofrimento não é o fim, mas o meio de se alcançar algo prazeroso.

Por outro lado, Davi apresenta o sofrimento não como meio, mas como resultado quando afirma que alguns “sofrem perturbação por causa de sua ignomínia” (Salmo 40.15). Semelhantemente, o apóstolo Pedro exorta ao cuidado para não sofrermos como resultado de nossas más ações: “Não sofra, porém, nenhum de vós como assassino, ou ladrão, ou malfeitor, ou como quem se intromete em negócios de outrem” (1 Pedro 4.15).

Quando o sofrimento traz sentido, isto é, aponta para um resultado prazeroso, lidamos com ele com certa disposição e tolerância necessária. Porém, quando o sofrimento não traz sentido, isto é, não aponta para nenhum resultado, sendo ele próprio o resultado de alguma ação ou omissão, simplesmente sofremos.

No entanto, até nessas horas terríveis a graça de Deus se manifesta “salvadora”, pois em meio ao sofrimento puro e concludente, surge um passo além, uma tela final: o aprendizado. Sofrer para aprender a não mais sofrer o resultado de nossos pecados. Isto é criar sentido para o que não tem sentido! Isto é graça!

Está sofrendo? Qual o sentido?

domingo, 23 de setembro de 2007

Retrato


Por que tenho saudade
De você. No retrato,
Ainda que o mais recente?
E por que um simples retrato,
Mais que você, me comove,
Se você mesma está presente?

Este poema de Cassiano Ricardo não brinca, mas sim revela a tragédia no relacionamento; e a crise na consciência de todo ser humano, na racionalização de seus sentimentos. É o poema um lamento.

Quem ama quer estar junto, segurar as mãos, ficar olhando para o rosto. Mas muitos não sentem isso quando estão com o outro. A presença estraga a alegria do amor. O “você” que a pessoa ama não encontra no outro. Encontra em seu retrato. A pessoa olha para o outro do outro lado da mesa e se lembra de seu retrato. “Ah! Como ‘você’, presente, é diferente do ‘você’ em seu retrato! Olho seu retrato e sinto saudades”. O retrato é o lugar da ausência. O tempo do retrato é um passado irrecuperável. Assim, muitos amam a imagem do retrato, morta, embora a pessoa esteja presente. Seu amor mora num passado sem volta. “Sendo assim, não amo você, presente, do outro lado da mesa. Amo o ‘você’ que escorregou do seu rosto, e mora agora no retrato”. Amor infeliz. “Você, que eu posso abraçar, não é o ‘você’ que eu amo”.

Neste sentimento de saudade e frustração se expressa a decepção. A sensação de ter sido enganado, e a constatação de uma expectativa prazerosa, por ser infantil e sonhadora; mas também uma expectativa infeliz, por ser ingênua e irreal. Muitos não encontraram aquilo que realmente esperavam viver. Então, passaram a viver aquilo que não esperavam encontrar.

No entanto, esta crise de vida e morte em muito se autentica pelo desejo egoísta de receber. Pessoas que partem para um relacionamento verdadeiramente interessadas em ter vantagem, em receber o que o outro tem de melhor, e a rejeitar aquilo que não combina com suas aspirações, com seu projeto de vida. Resultado: Falta de sintonia. Claro! Afinal, cada um dos pares tem o mesmo plano. Cada “eu” buscando satisfazer o seu próprio “eu”. Quando o planejamento destes se cruzam, o desejo, a alegria, a pareceria e o contentamento é visível; porém, quando estes tomam caminhos opostos, é visível e terrivelmente experimentado o desgosto, a tristeza, o rancor, a individualidade e o descontentamento. Cada “eu” por si, e ninguém por todos!

Como afirmou o poeta: “O amor é a coisa mais triste quando se desfaz”. É triste por causa do retrato: porque ele faz lembrar uma felicidade que se teve (ou que se sonhou) e que não se tem mais. O retrato é uma sepultura para quem vive aquilo que não esperava encontrar.

Talvez por isso o Senhor revelou que a felicidade é o resultado de uma vida voltada para o “nós”. Você e o outro, juntos, envolvidos por um mesmo sentimento, por um mesmo propósito: Cada um vivendo para o outro, buscando com que o outro seja o mais feliz possível. Neste caso, os projetos sempre se cruzam. E em tornar o outro feliz, não somente você se alegrará por seu contentamento, como será o maior beneficiado, recebendo o fruto do mesmo objetivo.

“Amai-vos uns aos outros, perdoai-vos mutuamente, caso alguém tenha motivo de queixa contra outrem. Assim como o Senhor vos perdoou, assim também perdoai vós; acima de tudo esteja o amor, que é o vínculo da perfeição” (Colossenses 3.13-14).