domingo, 23 de setembro de 2007

Retrato


Por que tenho saudade
De você. No retrato,
Ainda que o mais recente?
E por que um simples retrato,
Mais que você, me comove,
Se você mesma está presente?

Este poema de Cassiano Ricardo não brinca, mas sim revela a tragédia no relacionamento; e a crise na consciência de todo ser humano, na racionalização de seus sentimentos. É o poema um lamento.

Quem ama quer estar junto, segurar as mãos, ficar olhando para o rosto. Mas muitos não sentem isso quando estão com o outro. A presença estraga a alegria do amor. O “você” que a pessoa ama não encontra no outro. Encontra em seu retrato. A pessoa olha para o outro do outro lado da mesa e se lembra de seu retrato. “Ah! Como ‘você’, presente, é diferente do ‘você’ em seu retrato! Olho seu retrato e sinto saudades”. O retrato é o lugar da ausência. O tempo do retrato é um passado irrecuperável. Assim, muitos amam a imagem do retrato, morta, embora a pessoa esteja presente. Seu amor mora num passado sem volta. “Sendo assim, não amo você, presente, do outro lado da mesa. Amo o ‘você’ que escorregou do seu rosto, e mora agora no retrato”. Amor infeliz. “Você, que eu posso abraçar, não é o ‘você’ que eu amo”.

Neste sentimento de saudade e frustração se expressa a decepção. A sensação de ter sido enganado, e a constatação de uma expectativa prazerosa, por ser infantil e sonhadora; mas também uma expectativa infeliz, por ser ingênua e irreal. Muitos não encontraram aquilo que realmente esperavam viver. Então, passaram a viver aquilo que não esperavam encontrar.

No entanto, esta crise de vida e morte em muito se autentica pelo desejo egoísta de receber. Pessoas que partem para um relacionamento verdadeiramente interessadas em ter vantagem, em receber o que o outro tem de melhor, e a rejeitar aquilo que não combina com suas aspirações, com seu projeto de vida. Resultado: Falta de sintonia. Claro! Afinal, cada um dos pares tem o mesmo plano. Cada “eu” buscando satisfazer o seu próprio “eu”. Quando o planejamento destes se cruzam, o desejo, a alegria, a pareceria e o contentamento é visível; porém, quando estes tomam caminhos opostos, é visível e terrivelmente experimentado o desgosto, a tristeza, o rancor, a individualidade e o descontentamento. Cada “eu” por si, e ninguém por todos!

Como afirmou o poeta: “O amor é a coisa mais triste quando se desfaz”. É triste por causa do retrato: porque ele faz lembrar uma felicidade que se teve (ou que se sonhou) e que não se tem mais. O retrato é uma sepultura para quem vive aquilo que não esperava encontrar.

Talvez por isso o Senhor revelou que a felicidade é o resultado de uma vida voltada para o “nós”. Você e o outro, juntos, envolvidos por um mesmo sentimento, por um mesmo propósito: Cada um vivendo para o outro, buscando com que o outro seja o mais feliz possível. Neste caso, os projetos sempre se cruzam. E em tornar o outro feliz, não somente você se alegrará por seu contentamento, como será o maior beneficiado, recebendo o fruto do mesmo objetivo.

“Amai-vos uns aos outros, perdoai-vos mutuamente, caso alguém tenha motivo de queixa contra outrem. Assim como o Senhor vos perdoou, assim também perdoai vós; acima de tudo esteja o amor, que é o vínculo da perfeição” (Colossenses 3.13-14).

2 comentários:

Anônimo disse...

Como foi comentado por um pastor ao celebrar o religioso de um casamento.

- Vc quer ser feliz? Então, não se case.
- Mas se vc quer fazer o seu conjuge feliz, case-se.

É complicado, abdicarmos da "minha" felicidade para dedicarmos a fazer os outros felizes.
Porém, é realidade verdadeira e comprovada, o fato de que se fizermos os outros felizes, nós seremos beneficiados, nos alegraremos e receberemos o fruto desse objetivo.
Seria ótimo se todos pensasem desse jeito.

Sê tu uma benção, sempre, pastor.

Eliane

Almir Marcolino Tavares, disse...

Muito feliz e apropriado esta sua postagem. Creio que você captou bem uma das mais fortes razões para os problemas nos relacionamentos: o amar o outro que eu quero, e não o outro real.