sábado, 28 de abril de 2007

A Morte é o ponto de partida

O que seria a vida sem o seu final? O que aconteceria, se, de repente, os homens parassem de morrer? O que significa não morrer?

[Em seu livro Intermitências da morte, Companhia das Letras, José Saramago, autor português, questiona estruturas da religião e da filosofia a partir do significado que ambas atribuem ao fim da vida; e, afirma que a morte é o ponto de partida.]

No dia seguinte ninguém morreu. De repente não se morre mais. Aquilo que a princípio seria motivo de grande felicidade, provocaria as maiores tribulações e desarranjos; a ponto de muitos desejarem o retorno da morte ao ciclo da vida, pois com a ausência da morte a vida se torna funesta. Com o fim da morte, toda a vida precisa ser repensada, pois, a visão de mundo, além de aspectos socioeconômicos, está baseada na morte: hospitais, seguradoras, funerárias, aposentadoria, renovação, etc.

No aspecto religioso, quais seriam as propostas (novas propostas) das religiões, das filosofias? Como encarar a vida, o erro, a justiça, a eternidade, sem a morte? Quantos apelos ao juízo divino ou místico sobreviveriam à nova realidade de se viver eternamente aqui, sem uma continuação após a morte com purgatórios, céus, infernos, lagos de fogo, paraísos, belas e muitas virgens, reencarnações? Será que encontraríamos uma resposta, um caminho já existente que privilegiasse a vida ao invés da morte? Que estabelecesse toda sua estrutura moral, espiritual e social sobre uma proposta de se viver, independentemente da morte, e de se viver abundantemente?

Na conclusão de Saramago, tanto a religião quanto a filosofia perderiam sua razão de existir, pois, acredita que ambas existem para que as pessoas levem toda a vida com o medo pendurado ao pescoço e, chegada a sua hora, acolham a morte como uma libertação.

No entanto, na conclusão de Cristo, a morte não atrapalha a vida, pois ele veio trazer vida abundante (João 10.10). Sua proposta diz respeito à vida, e não somente a que está por vir, mas a começar por esta que experimentamos. A morte em si não é o ápice de sua mensagem, nem no que diz respeito a ele nem no que diz respeito a toda humanidade; pois, a vitória sobre a morte é o tema bombástico de seu ministério, e no que diz respeito a nós a vida é a razão de seu sacrifício.

A morte já não mais atrapalha, pois foi vencida. Gosto da forma como John Owen enxergou este dilema: A morte da morte na morte de Cristo. A morte morreu na morte daquele que é vida! Tanta vida que nem a morte conseguiu detê-lo. A morte, ao contrário, é fundamental para a vida. Não no sentido abstrato e absoluto da vida pós-morte, mas sim no sentido desta fase em que vivemos, pois para se ter vida abundante é preciso fazer morrer a natureza morta que nos acompanha desde o berço. Cristo disse a Nicodemos: “Importa nascer novamente”. Claro! Afinal, se seguirmos o destino sinistro da humanidade caminhamos da vida para a morte (no sentido físico); mas, se seguirmos o destino divino para a humanidade caminhamos da morte (do eu) para a vida (de Deus). Morte para o que é comum e vida como um presente de Deus para um novo, curioso e desafiante presente e futuro: “Ele vos deu vida, estando vós mortos nos vossos delitos e pecados [...] nos deu vida juntamente com Cristo, pela graça sois salvos” (Efésios 2.1, 5).
A morte, então, é o ponto de partida de uma verdadeira e abundante vida que não necessita da imortalidade para ser real. Quando nascemos fisicamente começamos a morrer. Mas quando morremos espiritualmente renascemos para um viver pleno antes e após a morte física.